sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Mi casa ou su casa


O conheci numa tarde ou seria noite? Estava sol, mas acho que chovia. Eu vestia uma regatinha rosa ou um casaco lilás. Tá, alguns detalhes deste dia me fugiram. Sei o ano. Ah! Isso eu bem sei, era ano 2000. Início de uma nova era. Sei também que estava escuro. Bem escuro. Existiam cadeiras e eram confortáveis. Sim, eu estava sentada, disso eu tenho certeza. Tinha barulhinho de pipoca meu ou de outrem, cochichos ao longe e beijos estalados por perto, causando certa inveja, confesso.
A tela era grande, o filme violento. Amores Brutos. Ele uns 22, eu uns 26. Suspirei. Não acreditei. O amor existe. Ele existe. Sim. Sim. Eu aceito. Por sorte existiam cenas (han, han, cof, cof) calientes, onde pude ver que ele era mais que um rosto bonito.
Daí por diante, nossa vida mudou para sempre. Tive que esperar 2 anos para revê-lo, fiquei tensa, para saber se ele ainda se lembraria de mim. Dei um tchau discreto quando sentei no nosso lugar secreto e tenho certeza que ele me viu no escuro, lá, sentada, babando e por vezes suspirando.
E assim, nosso amor continuou, de filme em filme, de escurinho em escurinho, pipoca em pipoca, suspiro, ah! Suspiro. Às vezes o via com um corte de cabelo estranho, outras vezes como um travesti, um padre, um revolucionário, os encontros continuaram e nosso amor só aumentou.
Aluguei esta semana “Ensaio sobre a cegueira”, todos diziam que eu ia passar a odiá-lo depois de ver este filme e sabe que não? Sabe que me deu uma vontade incrível de pagar de forma diferente pela minha comida? Sim. Acho digno.
Mas agora fiquei cansada de tanto amor sem realidade. Sem nunca saber qual Gael era real. E só uma coisa passou a importar neste mundo: treinar direitinho a frase que direi quando te encontrar.
- Mi casa ou su casa?

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Telefônica

- Alô
- Gostaria de falar com Dona Renata de Cassio Cinthia.
- Serve a Renata de Castro Cintra? Sou eu.
- A telefônica tem uma promoção incrível para você, por apenas R$ 2,80 por mês você bloqueia as suas ligações para celular. A gente te dá uma senha e quando você for fazer ligação, digita a senha.
- Mas eu moro sozinha, não tem sentido isso. Obrigada.
- Mas é muito bom para a senhora controlar as suas ligações para celular.
- Mas se eu moro sozinha e só eu terei a senha, as ligações serão as mesmas.
- Não isso vai economizar muito nas suas ligações.
- Como vai economizar se eu moro sozinha e só eu terei a senha e só eu faço ligação?
- Mas custa apenas R$ 2,80. Você pode esconder a senha.
- Mas eu não sou esquizofrênica a ponto de esconder algo de mim mesma.
- E que tal um seguro da sua linha, pois caso venha uma ligação na sua conta que a senhora não fez, você não vai precisar pagar. Custa apenas R$ 4,90 por mês.
- Mas se tiver alguma ligação na minha conta que eu não fiz, eu não vou pagar.
- Mas assim a telefônica consegue ver que você não fez a ligação.
- Mas se eu não fizer a ligação e aparecer na minha conta eu não tenho que pagar por ela.
- Com este seguro não, se você não tiver este seguro você vai precisar pagar pelas ligações que não fez.
- Han? Como assim? Eu preciso de um seguro para ter certeza que eu fiz as minhas ligações, e uma senha para esconder de mim mesma para ligar para celulares, isso não está muito complicado? Pensando bem eu quero cancelar meu telefone.
- Não minha senhora, não precisa cancelar a sua linha por isso.
- Agora eu quero, pois eu preciso de muita coisa para ter certeza que eu faço ligação e as que não faço, não terei de pagar e mais ainda, preciso de senhas para esconder de mim mesma. Transefere para o setor de cancelamento, está muito difícil ter uma linha de telefone. Vou dizer para eles que você me alertou para o quão difícil é ter uma linha nos dias de hoje. Obrigada, muito obrigada. Qual seu nome?

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Você tem medo de que?


“Quem tem medo do lobo mau, lobo mau, lobo mau…” e os 3 porquinhos cantam, saltitam e abusam da sorte. Quem tem medo do lobo mau? Os porquinhos não tem, pois são absurdinhos e estúpidos.
Fora das fábulas, cada dia vejo mais lobos maus, e olha que não sou porquinha feliz, nem uma idiota de uma chapéuzinho vermelho que confunde um lobo com a própria avó, muitas coisas me angustiam pela cidade grande, que é a nossa floresta. O lobo está aqui, ao meu lado, pronto para me devorar e eu tenho que sorrir, saltitar e enfrentar o medo cantando feito uma porca imbecil “Quem tem medo do lobo mau, lobo mau, lobo mau…”
Eu tenho medo dele e o pior é qua a vida inteira teremos o nosso lobo mau para enfrentar e será que podemos vencê-lo no grito? Ou cantarolando? Cadê o caçador? Cadê a minha casa de tijolo que o lobo não consegue derrubar no sopro? Cadê? Hein? Hãn?

ilustração cedida gentilmente por D. Ramirez

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Começar de novo

Todo fim de férias deviam ter regras, por exemplo, voltar a trabalhar devia ser igual quando éramos crianças indo para a escola, no primeiro dia, a mãe vai junto e ficamos 1 hora apenas, no segundo dia, ainda com a mãe, ficamos 2 horinhas e assim por diante até me sentir forte o suficiente para passar o dia todo sozinha em um lugar estranho.
A pior parte de voltar a trabalhar é desacostumar com o soninho pós almoço, voltar a conviver com pessoas que se você tivesse escolha, jamais fariam parte do seu rol* social, ter que pensar mais para falar, voltar a engolir sapos, lembrar que amnésia temporária não faz mal a ninguém e o principal acreditar que mentiras sinceras me interessam, sim.
Comecar de novo e de novo e de novo pode ser bom quando estamos felizes com nosso ambiente, mas quando não estamos… Quero minha mãe, posso ficar só 2 horinhas hoje no trabalho?

*rol, sempre quis usar esta palavra, acho tão chique quando leio na CARAS, a outra que quero usar é clã... rs

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Adorava quando o ano só começava depois da primeira redação do ano “minhas férias”. Por isso vou começar este ano assim:

Minha férias
Chegar em Recife é sempre uma alegria, já no avião, imigrantes-retirantes saudosos cantam um frevinho “Voltei Recife foi a saudade que me trouxe pelo braço…” Ainda no aeroporto me divirto com uma mulher na esteira da mala. Ela ficava na minha frente meio em posição de goleira pegando todas as malas pretas que passavam pela esteira e depois devolvia e dizia: “Oxe não é a minha” e de novo pegava a mala me empurrando e dizia: “Oxe não é a minha ainda” acho que ela pensava que se ela deixasse a mala dela passar, ela nunca mais voltaria e se perderia para sempre.
Depois da esteira veio a saga do orelhão. Eu estava na porta do banheiro por perto, quando vejo uma reunião de cúpula em volta do telefone seguida da pergunta: “Oxe, sempre ligo de lá pra cá, como ligo de cá pra cá?” E os outros integrantes da família em volta tentando resolver o enigma da ligação de “cá pra cá”.
Um dia, na praia de Porto, eu e Fuka estávamos tomando um solzinho quando a família ao lado composta por avós, pais, tios e crianças, resolvem comprar picolé. Todos compram, o sorveteiro ficou feliz, vendeu uns 15 picolés só ali. A alegria da família era tão grande que pedem para o sorveteiro fotografá-los. Todos de pé. Com picolé na mão. Sorrindo. Esta é uma foto que eu queria ter feito e guardado para mim.
Teve também o bêbado desaparecido. Uma noite em casa todos vão para a rua, pois estava muito barulho e logo se espalhou a notícia de que um homem bêbado tinha se perdido no mar, todos os moradores ficaram pela praia buscando o homem, eis que depois de muita busca, ele aparece sequinho da silva, andando pela rua, a família dele chorando, o pai dele aos prantos. A rua toda se deu as mãos e rezaram uma “ave-maria” em volta dele.
Imaginei hoje aqui de volta ao caos, a família revelando aquela foto (sim, a máquina era de filme) e relembrando o dia em que o dinheiro deu para todos tomarem picolé ao mesmo tempo, imagino a alegria da outra família no aeroporto descobrindo como liga de “cá pra cá” e imaginando se alguém contou para a mulher que a mala fica na esteira rodando, ela não entra ali pela cortina e some de vez. Imagino que explicação o bêbado deu para a família para na verdade ter se perdido na rua e não ter se afogado no mar como todos achavam. E isto, estas histórias, estas pessoas, valem umas férias, voltar para São Paulo e ver quanta coisa da vida perdemos, quantos sorvetes não valorizamos, quanta coisa sabemos e não ensinamos, quantos porres tomamos sem ninguém orar por nós.
Só sei que a vida pode ser boa e simples.
As férias foram perfeitas sem nenhum dia de chuva. O que mais posso querer?