Ela ouvia sim, eu caso, ele dizia não, vamos dar um tempo, ela ouvia os sinos, ele as sirenes, ela acreditava nas meias verdades dele e ele nas meias mentiras dela, e nunca saberiam quais seriam as verdadeiras, quais eram as corretas e certas para se seguir.
Ela com mais de trinta, ele também, ela pintava seus fios brancos, ele deixava todos ali a mostra, afinal era seu charme, passava um ar de confiança. Ela nunca quis contradizê-lo, ele sempre discordava dela.
Num mundo de opostos a vida continua, entre uma acomodação daqui, uma mentira dali, uma incerteza sempre a batucar, pois em que mundo ela e ele se completariam como nos contos de fadas.
Fadas? Elas não existem - ele berrava com ela.
Han, han - ela aceitava para não discutir.
Mas o sonho existe em algum canto das diferenças. Ela sempre se perguntou o que aconteceria depois do sim, do felizes para sempre, porque as histórias não continuam, não mostram os filhos nascendo, os cachorros ficando velhos, o amor amornando. Depois do sim acaba a vida?
Ela sempre via "E o vento levou..." na esperança dela construir seu próprio final onde Scarlett acha uma maneira de ter Rett Butler de volta, já que "Tomorrow is another day".
Ele, achava que era tempo demais para perder vendo este filme, afinal em 4 horas se pega um avião e voa até muito longe. O cálculo de horas para ele era diferente também do cálculo de tempo dela.
Ela ria de si, ele ria dela. Ela ouvia os conselhos da sogra, ele odiava sua mãe. Ela aceitava tudo pois depois dos trinta, pode ser a última chance de se ter uma família.
Triste - ele pensava.
Determinação - ela retrucava.
Assim o medo da mulher balzaca entregue ao relento de uma vida solitária, enquanto ele poderia procriar até muito mais tarde, aliás quanto mais tarde e melhor sucedido, melhor seria seu passe. Ela os anos não ajudavam. Menopausa uma palavra não tão distante, infertilidade também, morrer sozinha dava arrepios.
Enfrentar, aceitar, se calar. Se rebelar, enrraivecer, crise choro, pânico. Postura reta, carro esporte, jogar squash. Quãos absurdos podem ser os desejos dele e dela. Lá de perto alguém via e tentava dar conselhos, mas o melhor conselho é que o dia passa, o tempo voa, e tudo na vida tem fim. O fim? Só ele que descordava e ela que concordava, era enfrentar uma nova vida. Outra vida. Que vida? Só ele poderia saber. Ela imaginava. Ele estava meio calvo em cima, em poucos anos seria careca. Ela uma lipo e uma andada no parque.
Planos feitos tchau sem sofrimentos, nenhuma dor dura para sempre.
Ela descobriu diversos talentos, ele que a calvice era inevitável e que sentia uma barriga apertando sua cintura. Ela aceitou a idade, ele se escondia dela. Ela ouviu sirenes, ele sinos. Era tarde. Era bem tarde. Tarde demais para se lembrar dos motivos, das meias verdades, dos contos de fada. Era hora do destino aparecer e cuspir na sua cara "Você não tem mais 20 anos, moço" e ela ouvia o destino dizer "Melhor a cada dia".
Dia, tempo, horas, ela tinha de sobra, sem preparar o banho especial das quintas-feiras dele, nem engomar suas camisas, tempo, era algo que lhe sobrava agora com salão, depilação, caminhadas, yoga, reunião da Tapeware. Qualquer lugar é lugar, qualquer sorriso é simpático. Ele? bem, esquece, não vale a pena lembrar.