Ele estava ali, de costas, com suspensório e camisa quadriculada, fui
olhando mais atenta com o meu coração aprertando, calça jeans larga virada na
barra e uma papete (- ops, papete não, sandália masculina - ele diria). Tive
medo de ver de frente, mas o cabelo era farto e grisalho, nariz grande e
sobrancelhas desgrenhadas, bagunçadas e grandes. Olhei de novo e vi um cigarro
na mão e uma barriga, ah! Uma barriga bem grande. E em segundos me vi ali, na
rua chorando.
Seria estranho eu pedir para este estranho me abraçar? Seria muito estranho
eu cheirá-lo e suspirar ao lado dele para matar a saudade? Seria muito se eu
lhe pedisse para sorrir daquele jeito moleque de menino fazendo arte?
Continuei andando e chorando por uma saudade acumulada. E nesse choro já
inevitável de ser escondido pelo meio da rua, andei e imaginei quanto tempo que
não ouço sua voz. Não me lembro muito dela. Mas queria tanto conversar com
você, te contar minha vida. Ouvir você me dizendo que eu era a mais bonita,
mais esperta, mais inteligente, com os cachorros de rua mais lindos, que tem o
melhor petshop do mundo, que era tão perfeita, tão maravilhosa, que fazia a
minha vida ser perfeita e maravilhosa de verdade. Fazia eu ter forças para
acreditar em mim.
Sabe pai? Quando tudo está um caos e eu acho que nada vai dar certo, ainda lembro
do quanto você me fazia acreditar que eu era tão especial que nada podia dar
errado. E é verdade. Nada tem dado errado, mas queria muito ouvir isso de você.
E hoje só me restou querer abraçar aquele estranho fedendo a cigarro, mas que
era tão parecido com você fisicamente que me deu muitas saudades e vontade de
agradecer pelo seu carinho de toda vida que me faz muita falta hoje.
Há 8 anos