quinta-feira, 16 de setembro de 2010

É um trelelê

Casa nova é assim: menor que a outra, porém mais perto da praia, a obra ainda não está totalmente pronta, mas tínhamos que nos mudar, falta pintar, fazer o jardim, cercar a varanda para os gatos, fazer armários, trocar chuveiro, colocar tanque para lavar roupa, varal, janela na cozinha, mas vamos embora, precisamos nos mudar, leva gatos, quantos afina? 5? 6? e os filhotes que acabaram de abrir os olhinhos? Como abandonar? Vamos com um cachorro a menos, como faz falta, mas o quintal é pequeno, tem piscina no condomínio, depois da praia que delícia uma piscininha, tem asfalto, um luxo, acabou a vida cheia de terra e poeira, não preciso mais da minha galocha 7 léguas amarela, mas a maresia acaba com tudo aqui, usa computador, empacota, usa eletro doméstico, empacota, desempacota só o que tem onde guardar, opa, então vai ficar muita coisa na caixa, deixa em um quarto, mas só tem dois quartos, um com caixas e outro com um buraco no lugar da janela, ainda bem que parou de chover, coloca tela na janela da sala Zézinho vai pular para pegar gato, Fuka quer se refrescar na piscina, PTK não tem mais sofá para você. Liga o ventilador de teto, fogo, fogo, liga para o safado do eletricista, devia estar consertado isso, safado, esta cama é grande demais para aqui, coloca umas prateleiras no corredor, coloca uma sapateira no corredor, pra que tanto sapato? E louça? Onde fica a poltrona? Corredooooooooor. Pra que serve este copo? Martini? A gente nem toma Martini? Margarita oras. Onde guardo isso? Segura aí, já, já descubro. Para que 12 toalhas de mesa? Você guarda recibos de 2003? Ainda? E Este CD do Erinaldo? Fala sério, quem é Erinaldo? Ele cantava em um barzinho de Recife, lembra? Boina? Quem tem uma pasta só para telegramas que recebeu? Eu! Quem manda telegrama hoje em dia? É clássica, podemos um dia dizer e mostrar para as futuras gerações o que era telegrama, o que era máquina de calcular sem dígitos, o que era lupa, a coleção de moedas, somos uma família clássica amor. Clássica demais, tão clássica que você chama Baygon de Detefon. Chamo nada. Chama sim. Chamo nada. O que é aquilo ali na parede? Pega o Detefon, tem uma aranha aqui!

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Mariano sonha

Mariano é o jardineiro aqui de casa, ele vem todos os dias com seu jeitinho tímido. Um homem na casa dos 40, porém aparenta ter mais, deve ser o castigo da vida.
Mas, Mariano sonha. Ele planta mudinhas com carinho. Encontra flores pelo caminho e traz de presente para meu jardim. Ele corta a grama e fica feliz ao ver tudo aparado.
Mariano estuda, acabou de completar o 2º grau, não sei como se chama hoje em dia, mas ele se formou.
Mariano fala sem segurança, entendo muito pouco o que ele fala, mas ele sonha.
Pinta o cabelo de preto, bem preto para não entregar a idade que vem chegando. Ele é avô. Avô babão.
Mariano sonha, estuda italiano. Vai com sua bicicleta toda noite para a aula. E sonha. Sonha em arrumar um emprego fixo, mais digno. Vende balas na sua casa. Limpa meu jardim. Arruma uns bicos e sonha.
Às vezes ele se esquece de ir em casa pela manhã e aparece à tarde para dizer que sonhou. Sonhou com um emprego em Suape "Quem me dera, trabalhar lá". Ele sonha e vai atrás, se inscreveu para um curso de soldador, suas mãos simples que lidam com flores são brutas para tal. E terminar os estudos foi o primeiro passo para seu grande sonho acontecer, seu próximo passo, pelo pouco que entendi do seu jeito único de falar, com seus modos simples e de sua presença pura, foi. "Agora quero ser doutor". Mariano, continue sonhando, o mundo precisa de pessoas que não se acomodam.

sábado, 4 de setembro de 2010

E foi assim...


De repente meu marido me ligou e contou: "Amor, ganhamos uma filha, linda, Tróia vai morar com a gente". Eba. Sempre gostei dela. Tróia surgiu como um presente de grego dado aos meus sogros. Ela era de um criador que vendeu para uma fazenda e nesta fazenda ela foi muito judiada, a ponto de ficar em coma, ainda bebê, foi resgatada pelo criador, que pensou: que família é tão doida a ponto de adotar uma rotweiller cheia de cicatrizes que quase morreu, com displasia e isso tudo ainda com 6 meses de vida? E eles adotaram. O tempo passou e ela se tornou a grande tia da casa.
Quando eu dormia na casa da minha sogra, ela dormia embaixo da minha janela e várias vezes durante a noite, acordava com ela espiando se estava tudo bem comigo e com o Renato dentro do quarto, aí ela ficava tranquila e voltava a dormir, mas sempre verificava, aposto que pensando: "Vai que eles precisam de mim no meio da madrugada, vou checar se está tudo bem". E assim surgiu um amor de finais de semana e com os anos quando meus sogros se mudaram para um apartamento o convite foi feito. Topar? Muito topado. Amava já aquela coisa gorda, aquela minha "a la ursa" do olhar mais doce que existe.
E neste último ano aprendi a acordar e receber ela no meio das minhas pernas toda desengonçada me empurrando e me pisando para receber carinho antes de todo mundo, um bom dia bem delicado, típico de quem tem 40 kg, mas pensa que tem 40g.
Certo dia, no meio do nada, ela aparece me chamando para algo, eu sem entender vou colocar água e ela aflita me avisando, se requebrando, me empurrando, dou comida, deve ser fome, penso eu. Mas ela não pára de se remexer, me empurrar, dar narigadas, vou para o quintal e percebo que Zézinho (sempre Zézinho) não está lá, e chamo: "Zézinhooooooo...." Quando digo o nome dele, Tróia ficou tão feliz, mas tão feliz que tinha conseguido se comunicar que só depois de 5 minutos de carinho ela me deixou sair para procurar o cachorro fugitivo. Esta era Tróia. Alegrando minha casa. Me deixando ser sua mãe em seu último ano de vida.
No seu aniversário de 10 anos, fiz linguiça para ela e dei uma inteira de presente. Dava banho e ela se exibia. Caçava mariposas. Provocava. Abraçava o pote de comida para o sapo ou os passarinhos não pegarem. Dava ossinho e ela roubava de todos sorrateiramente, com olhar doce de sempre. Quando recebia carinho, ela entendia como era especial.
Nesta quinta-feira ela se foi, finalizando uma vida plena, deixando um vazio imenso, mesmo em uma casa cheia de vida.
Obrigada Tróia por deixar a minha vida mais feliz. obrigada por amar meus filhos como se fossem seus. Obrigada pela docilidade, amizade, cumplicidade, amor e acima de tudo lealdade. Obrigada por deixar eu ser sua amiga.