quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Olhares

Sabe aquela sensação de últimos olhares? Todos nós já tivemos… Uns que se tornam realmente os últimos e outros que por sorte nos surpreendem no decorrer da vida.
Lembro do ultimo olhar do meu pai. Ele estava na UTI, começou a tossir, saí de lá e olhei para trás. Nossos olhares se cruzaram, olhar que queria dizer melhora logo, volto depois, olhar que nunca saberia que seria o ultimo. Lembro bem dele. Com as sobrancelhas grossas, sentado, tentando respirar e o olhar de sempre, confortante e amigo, mas tinha certo medo nele.
Lembro de olhares que pareciam ser os últimos, mas não foram. Olhares de amigos de escola que de repente a vida nos empurra para vermos de novo na faculdade, após a faculdade você ainda olha e acha que desta vez será o último, mas a vida nos surpreende de novo e nos coloca frente a frente com este amigo querido de tantos anos em mais uma missão e eis que este amigo se torna seu cunhado, começa a namorar sua irmã e o olhar fica mais leve com a sensação que nunca será o último, pois são pessoas que jamais sairão de nossas vidas por mais que os caminhos mudem, os olhares se transformam assim como os sentimentos e estes são meus olhares preferidos no mundo, olhares que se reinventam.
Quando mudamos de emprego, olhamos para aquele chefe querido e lá vem a sensação de fim de uma etapa e último olhar, mas um dia no supermercado olhamos de novo e ao lado, lá está aquele olhar amigo sorrindo.
Tem o olhar cúmplice. Que não precisa dizer nada, mas diz tanto. Olhar da intimidade. Que só uma irmã ou um marido ou a melhor de todas as amigas nos dá.
Tenho um amigo fotógrafo que quando ando com ele reaprendo a olhar. Olhar as pessoas, as luzes, as sensações, é um exercício que a vida moderna muitas vezes nos priva. Olhar a vida flanando pelos espaços, locais, cheiros e acima de tudo reparar no que o olhar do outro quer dizer, entender cada olhar se ri ou chora, se pede ajuda ou divide uma história.
Cada olhar que se vai, para depois voltar será diferente, com mais peso umas vezes, mas leve em outras, mas sempre será um olhar a dizer algo. Se será despedida ou reencontro? Adeus ou até mais? Só o tempo irá dizer. Por isso me pego olhando. Mudando os olhares. Buscando os olhares. Para não mais perdê-los.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Maratona mensal


Morar longe de tudo requer participar de várias maratonas. A que mais me canso é a maratona do supermercado.
Fazer compras com marido começa assim: “Vou pegar as areias dos gatos e o leite e vou para a fila.”
Como se a base de nossa alimentação fosse areia de gato e leite, simples assim. Para que comprar arroz, feijão, macarrão? Já temos areia de gato e leite.
As filas no mercado de Recife são vergonhosas, assustadoras e indecentes, por isso esta ânsia por ficar na fila que pode chegar a durar mais tempo que fazendo compras, como é o nosso caso, pois com o carrinho cheio de areia e leite lá vai ele para a fila e agora começa a minha maratona digna de medalha de ouro.
Eu vou de corredor em corredor enchendo as mãos de ovos, detergente, volta e coloca no carrinho já na fila, açucar, café, sabão em pó, volta para a fila, faltam duas pessoas na frente dá tempo de pegar papel higiênico e shampoo, fila, arroz, batata, fila, nescau, carnes, peixe, fila, molho de tomate, absorvente, fila, feijão, azeite, sal, fila, óleo, farinha de trigo, fila: “Está chegando a nossa vez! Corre”, bolacha, queijo, vinagre, guardanapo, sabonete, respire, respire Renata, vai dar tempo, coador de café, leite condensado creme de leite, o que cair fica, não me resta muito tempo, sardinha, caldo knorr, corre, respire, vai dar tempo, amaciante, água sanitaria de 5litros pesa muito pego 2 de 1litro, corre vai dar tempo. Não deu, nunca dá, a conta se fecha e eu na minha maratona fiquei ainda com uns 20 intens da lista faltando.
Tempo de supermercado para fazer compra de mês? 20 minutos.
Calorias gastas? 5600 no mínimo.
Cansaço? Imagina? O que é andar 20 vezes pelo mercado todo?
Estrada de volta para casa? 2 horas.
Carregar as compras para casa? Umas 30 idas e vindas, com ajuda do marido para carregar a areia e o leite.
O pior? Mês que vem tem mais.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Jogatina


Adoro jogar buraco, aquele que pegamos o bloquinho, colocamos aquela toalha verde na mesa, porta copos, amendoim, alguma bebidinha que evolui até o licor, talco para separar as cartas grudadas da maresia, janelas abertas para ventilar, som de TV ao fundo e brigas.
Quem nunca brigou no jogo de buraco em família? Xingou? Mandou dar as cartas de novo? Contou pontos a mais? Fez canastra de copas com ouros e embaralhou tudo?
Jogar buraco é a arte da confiança. Pois você só pode ser parceiro de quem você confia, de quem você pode mostrar o seu pior lado, aquele lado obscuro e sabe que mesmo assim, vai te amar acima de tudo, pois não é fácil quando as 11 cartas estão em jogo, lá, prontas para serem baixadas no “campo” verde oliva…
As brigas normalmente começam entre duplas:
- Deste jeito você pega o morto e eu seguro as cartas.
- Não pode falar. É jogo falado? É?
- Não, só quer dizer para ela pegar o morto. E pronto.
- Ah! Tá! Vou cair nessa. Até parece que não te conheço, fica aí cantando o jogo. Se vai roubar fala logo que nem começo a jogar.
- Vale trinca?
- Vale.
- De tudo?
- Vale.
- Assim eu que não vou jogar. Fica chato.
- Fica chato é você cantando o jogo.
- Vamos fazer pipoca?
- Vamos.
E a paz voltava à mesa. Com cheirinho e gordura de pipoca.
E hoje, jogando nestes sites de relacionamento, me pego pensando como conseguem chamar estes sites “de relacionamento”? É tão surreal.
Primeiro tem aquele chat que as pessoas se limitam a digitar: bd, bt e bn. Se você faz alguma cagadinha do tipo não comprar uma carta que devia ou algo parecido, é provável que o chat seja usado para te xingar com palavras abreviadas que eu não entendo e por isso nem sei o tamanho do xingamento, pois vtnc ou svpfdp para mim são apenas letras. Existe ainda o galã do buraco que é aquele que diz “olá”, “de onde vocês são”, “boa sorte gatinhas” e por aí vai a cafonice.
Tem também o “chilique de tia” que é o carinha que abandona o jogo: “estou bravinho, poft, desliguei na sua cara, pronto, acabou, saí do jogo e deixei vocês, hahaha, fui embora e vocês não vão jogar, não vão jogar, la, la, la”, neste caso, basta esperar 30 segundos que outro jogador aparece, simples assim.
E ainda precisamos conviver com as piadinhas no chat do tipo: “fui no enterro errado, posso trocar o defunto?” ou “quem embaralhou estas cartas?” ou “eu dei as cartas certinho, saio de 100 pontos” se tornam brincadeiras muitos solitárias me transformando na doida da mesa. Ops, não era para confessar que sou eu quem faço isso.
Enfim, sinto saudades dos parceiros de buraco, aqueles parceiros bons que topam a jogatina até tarde, contando casos, brigando, rindo, chorando, roubando… e isso me faz pensar como as relações andam assim hoje em dia, a nossa vida anda um grande jogo de buraco de um site de relacionamentos. Ao invés de visitarmos nosso amigos a gente curte sua fotinho com o primeiro sorriso do seu filho ou o video da primeira sopinha de sua filha sem vivenciarmos com eles a experência em si. Me pego sentindo falta da tecla “curti” em diversos casos e situações, pois é mais conveniente existir o “curti”, é mais simples, assim como já senti falta do “command +z” na vida (mas aí seria assunto para 10 anos de terapia se eu acreditasse em terapia).