quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Cabelo, cabeleira, cabeluda, descabelada...

Vamos combinar? Eu não aguento mais cabelos lisos. Tá na cara que a pessoa é sarará e fica lá presa, amarrada, envelopada no lisinho fake.
Sempre que vou no salão alguém me oferece uma progressiva, inteligente, mega blaster escova com chocolate, canela, mel, limão, ácido, íons, prótons, eletrons. Eu sorrio, agradeço e digo: "Sou crespa". Meu amigo querido Ju, me chama de crespa e achei lindo ser crespa, acho que vem de um quadro das terças insanas que a mulher era lisa, lisa, tão fake lisa que ele criou "a crespa", não lembro ao certo.
Ainda mais aqui pelo Nordeste onde somos o verdadeiro Brasil de missigenação mistura o negro, com o índio, com mestiços, cafusos, sararás crioulos e mesmo assim saímos lisas? Em que mundo?
Quando era criança, lembro das lisas, elas eram minhas amigas. As fivelinhas que escorriam, os rabos de cavalos perfeitos sem precisar de fivelinhas adicionais, as tranças lindas sem ficarem despontadas e eu sofria calada e conformada - Sou crespa.
Depois veio a adolescência sofrida para os crespos, onde a moda era um topete lindo, liso e no alto, e eu dava uma surra de escova, gel bozano e criava a minha versão inspirada em Picasso do topete e era feliz. A vida deixava sermos felizes com as nossas qualidades e defeitos. Só se operava na época orelha de abano, e olhe lá!
Aí o mundo endoidou, escova japonesa, 8 horas de salão, 3 meses de salário e a mágica acontecia, saía eu linda com meu visual lisa, querendo ser quem eu não era e jamais seria, não tive a infância fácil das lisas após as aulas de educação física, não tive a adolescência tranquila do tepete feliz, nunca pude dançar a noite inteira e me olhar no espelho no final dela, não, nunca pude. Se suava encrespava mais, se encrespasse mais eu virava puro cabelo, dificultando a paquera de papinho ao pé do ouvido: - Oi, você vem sempre aqui? virava - OOOOOOIIIII!, eu afastava meu cabelo da orelha para poder ouvir o resto da frase do corajoso que resolveu desbravar meus cabelos para papear. Não, a escova milagrosa não poderia apagar anos e anos de sofrimento e dor.
O destino me tirou da cidade grande, os crespos não tinham vez por lá e me trouxe para o mundo do mar e do sol, pensei ter achado o meu lugar, o lugar do mar nos cabelos, dos cachos formados pelo vento, dos cremes Neutrox sem preconceitos, o mundo seria belo se não fosse isso que em algum lugar se instalou, a dominância dos falsos lisos apontando seus dedos para os crespos e esquecendo suas origens, suas dores e seus sofrimentos de uma infância de fivelas e uma adolescência com danças moderadas.
Este post é para você, cabeleireiros, ex crespos, falsos lisos... E se mais algum cabeleireiro me "sugerir" uma progressiva, vou mandar ele fazer progressiva nos pelos do &^%$. E se eu ver mais alguma criança de 5 anos fazendo escova cheia de formol na cabeça eu vou denunciar a mãe da criança que vai fazer ela perder o melhor da vida que é: aprender a ser diferente

4 comentários:

Pri S. disse...

Perfeito! E a última frase encerra com verdade e elegância. ;-)

vivi disse...

REEE!!!
Que redentor seu post!
AMEI!!!

Nunca fui lisa também. E sempre sofri, como você. Lembro, perfeitamente, que ja' com uns 5 anos queria ter cabelo liso. rs.

Mas, como vc, passei por esta fase do topete alto (aff, RE), mas, como ele tb nao era enrolado, cheguei a passar pela fase de `suporte`e permanente, com aquele líquido fedido.

Depois de velha, fiz 2 progressivas (aliás, quando fui pra Porto) mas como meu cabelo começou a cair, NUNCA MAIS MESMO!
Assumi o curly hair, rs.
Beijos e muitas saudades
Muito bom te ler!

Anônimo disse...

como nunca ninguém está feliz como o que tem, eu sonhava com uns cachinhos iguais ao da Escrava Isaura.
Ninguém mais pode ser minimamente diferente. Já nootou que todas as famosas têm dentes iguais, da mesma cor e tamanho?
bjs
Cláudia

MH disse...

Ai Re! Amo crespos! Eu sempre fui uma lisa meio descabelada, não tenho cabelo escorrido mas é tão fino que alisa com dois minutos de secador. ou fica rebelde e esvoaçante sem secador, já que não nasci pra ser escrava.
Depois da quimio, meu cabelo veio cheio de cachos, lindo. Mas depois de uns dois anos e cortes, alisou de novo.
Detesto a ditadura dos cabelos claramente alisados. E dos cabelos longos, né, cada vez que toso o meu, ando na rua me sentindo a única mulher do mundo de cabelos curtos. Não sou, mas olha, sou minoria!
beijo